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A ASSIMETRIA DO SAGRADO NAS RELIGIÕES AFRO-BRASILEIRAS



A ASSIMETRIA DO SAGRADO NAS RELIGIÕES AFRO-BRASILEIRAS

“O SAGRADO TRANSCENDE AS RELIGIÕES”

No estudo da sociologia aprendemos que a religião é uma instituição social. Das instituições é a única que não se baseia apenas em necessidades físicas do homem (Durkheim). É um fenômeno social que é universal, pois pode ser encontrado em todas as sociedades.

Infelizmente, no ocidente é problemático relacionar as religiões com o Sagrado, pois quando pensamos nas religiões, pensamos nas religiões abraâmicas ou religiões do livro (Tradição Escrita).

Pode-se fazer uma crítica aos teólogos que ironizavam as concepções religiosas orientais e valorizavam as ocidentais. Apontam diretamente para as “três principais” religiões: Judaísmo, Cristianismo e Islamismo.

As características fundamentais, o tripé ideológico em que se sustenta as religiões ocidentais é: dogma, fé e tradição escrita. O dogma tem conceitos que são inquestionáveis, não se modificam, portanto imutáveis. A fé, o homem de fé é aquele que acredita, por ser temente a Deus (claro que não todos), mas sem maior incursão à lógica e ao bom senso.

A tradição escrita, torá (Judaísmo), bíblia (Cristianismo) e corão (Islamismo) valoriza-se sobremaneira o que foi escrito (palavra dos profetas) em detrimento da Tradição oral, fator decisivo nas Religiões Afro-brasileiras. É nevrálgica a comparação tradição oral e tradição escrita. Tem-se a tradição escrita como a revelação feita pelos profetas, portanto verdadeira, logo...

A desvalorização da tradição oral é “comprovada” por vários cientistas, para os quais não há nexo em algo que não seja da tradição escrita, mesmo que esta seja uma interpretação do ensinamento oral.

Outro fator que devemos levar em consideração é o projeto revelação, que é o ato de “fundar a verdade” a qual foi revelada a um profeta. A mesma compreende o que revela (divino, espíritos, anjos, etc) e o que recebeu a revelação (profeta).

A revelação e todo seu séquito de deduções é um processo inquestionável e imutável (estaticidade da tradição). É essencialmente exclusiva, não havendo espaço para outras verdades. Pior é que se excluem outras formas de observar, de saber e vivenciar (viver) o Sagrado. Desde o momento que foi escrita, há uma definição para todo o sempre (imutável).

Alguns cientistas sociais ou de outras disciplinas como Max Miller, num acinte ao respeito às diferenças, sentenciou que os maravilhosos aforismos do Vedanta Advaita (Vedanta monista) tão bem manifestos por Shankara, eram infantis se comparados com os fundamentos das religiões abraâmicas. Como qualificar suas afirmações? De etnocêntricas, de intolerantes ou preconceituosas?

Deixaremos a resposta ao leitor, todavia podemos entender melhor o porquê de muitos preconceituarem as Religiões Afro-brasileiras, calcadas felizmente na tradição oral. Pelos motivos aludidos podemos entender o porquê das Religiões Afro-brasileiras não serem codificadas, permitindo várias maneiras de interpretá-las e não apenas uma.

O homem do século XXI lê a bíblia escrita no início do século I, sem nenhuma mudança, num verdadeiro congelamento histórico e espiritual. Esses fatos levaram a um constante conflito entre religião e ciência, pois as religiões abraâmicas, que não estamos criticando, apenas constatando, dizem estar com a verdade absoluta (imutabilidade) enquanto a ciência admite várias verdades, que se sucedem com o passar do tempo, o que achamos justíssimo, pois se tudo já foi revelado, como explicar as iniqüidades, desigualdades e violências várias na sociedade planetária?

Constatando mais uma função do complexo abraâmico, o salvacionismo, em que o prosélito é salvo, podemos questionar: por que é salvo? Salvo de que? “É salvo só por crer”. O processo salvacionista fundou e divulgou a dicotomia maniqueísta bem e mal. “Os que crêem são do bem”, os que não crêem são do mal.” O bem é seguir os dogmas, a verdade revelada que consegue neutralizar todo e qualquer mal. Os que são prosélitos de outros setores filosófico-religiosos são do mal, e portanto condenados a arder no fogo do inferno. Claro que, entre os ímpios e pagãos, incluem os adeptos das Religiões Afro-brasileiras e os de outras religiões não abraâmicas.

No geral as religiões abraâmicas e muitas outras, por nós respeitadas, não aceitam ou permitem outra “verdade” que não a sua verdade, num total desrespeito às diferenças e a alteridade, algo que discordamos in totum.

Como podem as religiões competir entre si? E mais, fazer proselitismo negando, criticando outras religiões? Não entendemos o sagrado desta maneira, mas entendemos muito bem o porquê de tais distorções, que esbarram em aspectos mercadológicos, políticos e econômicos. Mas que fazer?...

Rudolf Otto teólogo luterano escreveu no século XIX, não obstante concordar com a tradição do livro (Pentateuco, Novo Testamento, Corão) escreveu que havia uma profunda distorção entre os métodos utilizados pelas religiões (racionais) e o sagrado (irracional).

Na citação superficial de Otto percebemos que ele luziu de forma ímpar ao determinar que os métodos religiosos eram singulares, enquanto o sagrado era comum a todos os setores filosófico-religiosos, ponto de contato entre eles. Se tomarmos como verdadeiro sua assertiva somos levados a concluir que o sagrado foi interpretado por vários povos à sua maneira, fazendo surgir as várias religiões.

Até aí ótimo! O problema é que cada grupo quis ser dono do sagrado, segundo sua visão, ou melhor, segundo suas “religiões”, e isto fomentou várias dissensões em todos os níveis, gerando violências várias, inclusive o morticínio patrocinado por várias “guerras santas”

O resumo que fizemos de alguns fatos insólitos e escabrosos das “religiões”, não do sagrado, foi trazido ao Brasil a partir do século XVI.

Obvio que não discutiremos quinhentos anos de religiões no Brasil, mas não podemos olvidar os motivos que os europeus liderados pelos portugueses (pois também estiveram espanhóis, franceses, holandeses e outros) vieram fazer no Brasil. Vieram aumentar suas divisas econômicas, suas riquezas, seus processos expansionistas que culminaram num desalmado colonialismo predatório em todos os níveis.

Não discutiremos a história política e econômica da Terra de Santa Cruz, mas os efeitos que violaram por completo os direitos humanos (ah! Não existia na época!?) e o respeito as diferenças culturais. Imagine se o europeu do século XVI iria respeitar culturas primitivas e pagãs? Claro que não. Iriam aculturar, os primitivos e nisto incluía-se catequizá-los. Pobres aborígenes brasileiros, que desde o século XVI até os dias atuais (século XXI) encontram-se sob o jugo das idiossincrasias dos civilizados, mas não menos ensandecidos por uma ganância política que não olvida seus famélicos desejos econômicos, mesmo que para isto o social seja descartado.

Não demorou muito para vir ao Brasil a malfadada mão de obra escrava oriunda em primeira instância do Golfo da Guiné, onde muitos irmãos de pele escura perderam não somente a liberdade, mas a dignidade humana, algo que prevaleceu ou prevalece até os dias de hoje.

Não bastou a farsa da libertação dos escravos, pois na realidade não se libertou ninguém, condenou-se sim, à pior de todas as prisões, a do abandono, do desprezo por suas vidas e, finalmente, pela total discriminação e exclusão social. Libertou-se para que sofressem mais, pois de que adianta libertar e depois aprisionar num sistema de total exclusão levando-os à miséria com a crueldade de deixá-los sucumbir de inanição em todos os níveis.

Muitos podem questionar: seria melhor que permanecessem como escravos? Claro que não. Desejaria que não tivessem vindo como escravos, quanto mais que fossem. O que discutimos é que a escravidão continua hoje, não só para os nossos irmãos negros, mas para muitos miseráveis e estes são brancos, negros, mestiços, índios, enfim a maioria da população que vive de forma subumana, o que é lamentável para um mundo de alta tecnologia e ciência avançada, mas que não consegue vencer a enorme desigualdade existente, onde muitos não têm nada e poucos têm tudo.

Os leitores poderão questionar que isto em nada tem em comum com o tema religioso, pois isto que discutimos é uma incursão nos âmbitos social, político e econômico. É verdade! Mas será que podemos dissociar o Sagrado do cultural, social, político e econômico? Senão, vejamos porque no Brasil surgiram as Religiões Afro-brasileiras como forma de resistência às hostes das sombras físicas e hiperfísicas.

Desde o encontro de indígenas brasileiros, europeus (indo-europeus) e africanos teve início o gérmen das Religiões Afro-brasileiras.

Sim, os indígenas sofreram influências substanciais dos europeus (principalmente católicos), o mesmo acontecendo com os africanos aportados no Brasil oriundos de diversos rincões africanos (grupos sudaneses e bantos).

Estava delineada a formação do povo brasileiro com suas três matrizes formadoras: a indígena, a européia e a africana. Mas o povo brasileiro é um povo mestiço, pois é a convergência das três matrizes formadoras, portanto não mais ameríndio, europeu ou africano. É apenas brasileiro. É o ponto máximo de convergência, onde se mantém a essência das três matrizes formadoras, mas que desaparecem na forma, para dar lugar a uma nova matriz - a brasileira.

No atinente às expressões religiosas seriam várias as fases formadoras das Religiões Afro-brasileiras, pois elas antes de alcançarem o ponto, a regra de ouro da convergência, de forma atraumática, passaram pelo processo de sincretismo, sendo este uma forma inteligente de atenuar a intransigência do colonizador e propiciar o diálogo com o mesmo.

Há várias Religiões Afro-brasileiras como: Pajelança, Toré, Xambá, Babassuê, Terecô, Tambor de Mina, Jurema, Batuque, Xangôs, Candomblé de Caboclo, Omolocô, Umbanda Traçada, Umbanda Iniciática, Umbanda Mista, Umbanda de Mesa, Umbandaime, Umbanda Branca entre outras denominações.

Neste artigo não nos ateremos ao mito fundante de cada religião afro-brasileira (se é que houve), nos ateremos ao fato de que todas têm em comum: tradição oral, rituais, transe (culto aos ancestrais ilustres) ou culto aos deuses (Orixás, Inquices ou Voduns), música (ilus, ngomas ou tambores) estado superior de consciência.

A Umbanda, tida como religião de matriz brasileira (as outras também foram forjadas em solo brasileiro) sofreu influências das três matrizes formadoras (indígena, européia e africana), mas o nó górdio continua sendo seu mito de fundação, o que achamos dispensável, todavia se houve não pode ter sido pontual, é efeito de uma construção coletiva, e nunca individual. Também somos contrários aos que afirmam que a Umbanda surgiu na segunda ou terceira década do século XX, como uma religião essencialmente nacional, para seguir o nacionalismo getulista. Isto é algo que refutamos, pois nossas pesquisas nos fazem escrever que desde o século XIX tínhamos uma construção coletiva manifestada em Juca Rosa, no Rio de Janeiro, que já citava a “entidade espiritual” Tio Zuza e Pai Quibombo. Num segundo momento em Sorocaba, interior do estado de São Paulo, João de Camargo também fez cultos muito próximos do que na atualidade se conhece como de Umbanda. (Pena Branca)

No século XX, acreditamos que por fatores políticos os poderosos da época quiseram que um indivíduo branco “fundasse a Umbanda” com dia, hora e local previamente marcados. Isto sim fazia parte do embranquecimento, já que o “próprio fundador” Zélio de Morais, dizia-se de origem kardecista. Não teria sido isso uma cartada política para segregar ainda mais as religiões indígenas e africanas, que tinham sacerdotes de origem indígena ou africana? Enfim, há várias interpretações que devem ser respeitadas...

Para nós as Religiões Afro-brasileiras e nelas incluímos a Umbanda é fundamental a tradição oral, apesar de vez por outra alguém querer codificá-la, ou seja, torná-la Tradição escrita, e seu codificador dono da Umbanda, algo que jamais acontecerá, pois a Umbanda é de todos nós, nos foi outorgada pelos Orixás e Ancestrais Ilustres e não pelos homens; sim, a Umbanda surgiu de cima (Orixás) para baixo (homens), e não o contrário.

Na atualidade, demos nossa contribuição às Religiões Afro-brasileiras quando afirmamos que a Umbanda é uma idéia que se expressa em várias linguagens, sendo todas elas importantes e de igual valor. Muitos afirmaram que queríamos ditar norma para a Umbanda. Ao contrário, pois o conceito de Escola Umbandista (às várias linguagens de Umbanda), por nós exaustivamente discutido, é um antídoto à codificação, pois a mesma engessaria, faria ter somente uma linguagem (exclusão), enquanto Ela é símbolo de inclusão total.

Embora tenhamos fundado a Faculdade de Teologia Umbandista, autorizada pelo MEC, desde 2004, temos sérias restrições à tradição escrita. Como já escrevemos a palavra dos profetas quando escritas foram adulteradas, ou escritas segundo a interpretação de quem a escreveu.

Por dentro das Religiões Afro-brasileiras tivemos a visão preconceituosa de Roger Bastide que cunhou o vocábulo Umbandização, como algo deletério, como impureza. Tanto é verdade que qualquer culto que recebera influência da Umbanda, que para ele era impura (sincrética) ele dizia ter sofrido o fenômeno Umbandização. No mínimo, na atualidade, seria preconceito e forma de exclusão.

Para nós Umbandização é algo inovador, que refunde, renova os cultos. A maioria dos cultos já sofreu Umbandização, pois a tradição não é estática, é viva, portanto em constante mudança.

Outros autores no século passado afirmaram da inoperância dos medicamentos das Religiões Afro-brasileiras, denominando seus sacerdotes mais dignos de charlatães, os quais, não raras vezes, foram constrangidos, quando não detidos em penitenciárias públicas. Hoje, todavia, a própria medicina oficial acadêmica estuda em curso de pós-graduação, lato sensu ou stricto sensu a fitoterapia (que em verdade é o estudo das ervas consagradas pelos terreiros).

A perseguição não foi só acadêmica, portanto institucionalizada, onde alguns cientistas prestaram total desserviço à comunidade brasileira, quando começaram a discutir a religião como processo mercadológico (marketing religioso).

Não procuraram entender o que na realidade sucedia. Só se interessaram em afirmar que havia uma migração de prosélitos das Religiões Afro-brasileiras para as igrejas evangélicas, especificamente as neopentecostais.

Ao contrário da Umbanda e das Religiões Afro-brasileiras que não fazem proselitismo, as igrejas neopentecostais estão ávidas por prosélitos, e seu alvo são os adeptos das Religiões Afro-brasileiras. Afirmam aos prosélitos, que tudo lhes vai mal à vida, pois fizeram pacto com o demônio (Guias e Orixás). Os que acreditaram nessa balela são exorcizados, afastando-lhes os demônios. (Será mesmo?)

Está claro que estas igrejas sobrevivem à custa dos demônios dos terreiros, caso contrário não sobreviveriam. Portanto, para eles é bom que tenham demônios, caso contrário...

Por outro lado ao exorcizarem “nossos demônios” (que são responsáveis por todos os males do mundo, inclusive os políticos, sociais?!!) estão legitimando nossas entidades. Mas não são os que afirmam não acreditar nos espíritos? Também não são os políticos que pleiteiam cargos eletivos? Será que eleitos exorcizarão os demônios da desigualdade, da exclusão, da pobreza, ou isto também é devido aos “demônios” das Religiões Afro-brasileiras? Ora senhores...

Como sempre, fiquemos atentos aos fariseus de todos os tempos. O pior é quando vemos alguns adeptos das Religiões Afro-brasileiras afirmarem que desejam ser políticos (eleitos) para lutarem contra as nefandas ações por nós citadas, algo que achamos falacioso, demagógico. Outros mais afirmam que precisamos de política idêntica a das igrejas que combatemos. Quem é que entende isto? É ou não incoerência, ou outra coisa pior?

Não seria esse um dos motivos da ciência oficial acadêmica desdenhar das religiões? Não dialogar com elas? Felizmente com a fundação da FTU - Faculdade de Teologia Umbandista, que é patrimônio das Religiões Afro-brasileiras, conseguimos esse diálogo, tanto que já protagonizamos dois congressos, com o aval da academia (muitos acadêmicos de estofo foram palestrantes) e de sacerdotes de escol, que procuram o processo dialógico com vários setores da sociedade, inclusive com a ciência.

No encerramento, afirmamos que a religião tem que dialogar com a ciência, suprimindo o conflito, buscando a interação a qual promove a convivência pacífica.

Nosso pensamento é que o sagrado transcende as religiões, sendo portanto assimétrico. A assimetria do sagrado se deve ao fato das religiões vê-lo de várias maneiras diferentes, e isto permite a interação e a paz entre os homens. E nisso as Religiões Afro-brasileiras são os principais exemplos desta interação. Afirmamos, pois que todas as religiões são necessárias, mas são visões particularizadas do sagrado. Assim sendo toda religião é legítima, pois é uma forma de perceber o sagrado. Para nós o sagrado é uma forma de conhecimento que se manifesta na religião, na filosofia, na arte e na ciência. As mesmas diferem segundo nossa visão, o quanto possuem de abstrato-concreto ou inconsciente-consciente.


Rivas Neto (Arhapiagha) – Sacerdote Médico

Ifatosh'ogun "O sacerdote de Ifá que tem o poder de curar”

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